UM OLHAR CABOVERDIANO

Wednesday, May 24, 2006

A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO: o caso dos imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro (1950-1973)

XII ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA
Passados presentes: memória, história e identidade na era da informação
(14 a 18 de agosto de 2006)
Doutorando Artur Monteiro Bento (UNIRIO)
Bolsa: FAPERJ
Orientadora: Icléia Thiesen (UNIRIO)

Esse trabalho analisa processos de construção de identidades de imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro, através dos quais esses indivíduos inseridos na sociedade brasileira reelaboram aspectos fundamentais de suas memórias. Procuramos estudar os modos como os imigrantes falam sobre eles mesmos em contextos diversos, assim como percebem o ser caboverdiano. São analisados os contextos nos quais os elementos identitários aparecem com mais força. Um conjunto de nove entrevistas de história oral, realizadas com esses imigrantes, são articuladas com dados quantitativos, em seus aspectos teóricos e empíricos. A memória desse grupo é permanentemente reconstruída através das sucessivas gerações, porém ela pode se transformar de tal modo que a aproxime das memórias dos autóctones, o que ocorre com os caboverdianos estudados por nós. Os imigrantes têm domínio da língua portuguesa, pois foram educados no país de nascimento a reconhecer o português como a língua oficial. Sendo assim, cremos que a análise das memórias desses imigrantes deve considerar a incorporação dos aspectos culturais não apenas do seu país de origem, mas também do país de acolhimento. É através da reelaboração das memórias que os grupos formam comunidades de sentido, instituem valores e ações coletivas.

A experiência de imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro: uma abordagem da história oral

Artur Monteiro Bento (Doutorando em Memória Social – PPGMS/UNIRIO)
psiartur@hotmail.com
Palavras-chave: memória-identidade-imigração caboverdiana.
BENTO, Artur Monteiro. IN:
BENTO, Artur Monteiro. A experiência dos imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro. IN: História Oral e Diversidades Culturais. Acre: Associação Brasileira de História Oral, 2006, p.104.
Este trabalho registra a história de vida de imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro. À luz da migração caboverdiana para o Brasil (1900-1973), buscamos estabelecer algumas reflexões sobre a experiência de imigrantes, destacando os que chegaram no Rio de Janeiro, durante o período de 1950-1973, à procura de uma vida melhor, e, raramente retornaram para ver familiares e amigos, uma vez que, os que assim o fizeram realizaram em média 2 a 3 visitas, num período compreendido entre 30 a 50 anos. Tomando como campo empírico de análise de trabalho a história oral e, apoiando-nos nas reflexões de memória, localizamos aspectos que permeiam o movimento dinâmico da identidade, para, a partir daí, apontarmos possíveis contribuições para se repensar a memória caboverdiana.
Aproveitamos o suporte quantitativo e qualitativo no levantamento de dados preliminares em um conjunto de 9 (nove) imigrantes através da utilização de entrevistas temáticas, para em seguida articularmos aspectos teóricos com dados empíricos. Essa primeira aproximação ao campo da pesquisa possibilita anunciar a imigração como lugar de transformação da memória e da identidade, vista sob a perspectiva do Brasil como lugar de múltiplos cruzamentos. O texto está organizado em dois tópicos: no primeiro momento, discorremos sobre a saída dos caboverdianos à procura de uma vida melhor. No segundo discutiremos a questão da memória desses imigrantes, articulando algumas entrevistas colhidas dentro de uma perspectiva de história oral.
Cabe ressaltar que nosso estudo é um esboço da tese de doutorado em Memória Social, em andamento e, pretende levantar uma série de questões que suscitem trabalhos posteriores, além de ensejar uma referência bibliográfica para discutir a memória caboverdiana.

O trabalho como referência cultural e fator de integração de imigrantes caboverdianos no Rio de Janeiro (1950-1973)

BENTO, A. M. (UNIRIO).
Bolsa: FAPERJ.
Orientadora: Icléia Thiesen. (UNIRIO)- Doutorado em Memória Social.
RESUMO, apresentado V Seminário do trabalho - trabalho e educação no século XXI, em Marília, São Paulo, 2006)

Este trabalho evidencia as implicações da inserção do imigrante no mercado de trabalho, através da formação de um novo paradigma educacional, baseado nas necessidades vividas no Brasil. O objetivo geral é analisar a experiência laboral dos caboverdianos com alguma atenção voltada para o Brasil e, identificar as características comuns através das quais elaboram seu trabalho de memória. A partir daí, delineamos os seguintes objetivos específicos: identificar as principais transformações e refletir sobre as questões relacionadas a condição de imigrante caboverdiano que se efetiva na inserção do sujeito numa atividade profissinal de um sistema cultural diferente do seu de origem. Neste sentido, aproveitamos o suporte qualitativo e quantitativo no levantamento de dados preliminares em um conjunto de 9 imigrantes através da utilização da história oral, para em seguida articularmos aspectos teóricos com dados empíricos. Procuramos mostrar o "quadro" dramático em que alguns imigrantes se encontraram por estarem despreparados para o mercado, na medida em que a maioria era semi-analfafeto, e não tinha uma profissão. Esta situação relega o imigrante "o outro trabalhador" para o segundo plano, afetando particularmente, as sucessivas gerações de filhos e netos. Porém, a maioria dos imigrantes pesquisados investiu na educação dos filhos, sendo que alguns cursaram um curso superior. Procedendo deste modo, nosso trabalho cumpre a tarefa de esclarecer uma realidade social, ao focalizarmos o aspecto do trabalho como referência e fator de integração de caboverdianos no Rio de Janeiro. A escolha do objeto de estudo visa dar prosseguimento ao nosso trabalho de mestrado sobre os imigrantes caboverdianos no Rio, por serem pouco conhecidos e estudados, tanto no Brasil como em Cabo Verde. Assim, no Brasil, nossa pesquisa é pioneira, abrindo a possibilidade para que esse grupo possa ser estudado por pesquisadores interessados nas questões da memória, e sobre a cultura caboverdiana, sendo também importante para a divulgação das trajetórias dos imigrantes e seus descendentes no Brasil e em Cabo Verde.

Friday, August 12, 2005

EDUCAÇÃO ESCOLAR

EDUCAÇÃO ESCOLAR
O território escolar é atravessado por uma relação de poder que determina as relações vivenciadas entre alunos, professores e direção. Essa relação pode se pautar numa postura de dominação ou dialógica. Porém, cabe ao professor, autoridade didático-pedagógico, definir o tipo de relacionamento, ou seja, se opta pela dominação, pela imposição de uma verdade, ou pela orientação do conteúdo escolar. Entretanto, no contexto atual de projeto educacional pautado no neoliberalismo, que visa implantar definitivamente o cientifismo e a racionalidade prática, visando a cidadania passiva, nota-se a solidificação de uma pedagogia tecnicista que transforma a escola numa fábrica de ensino, em vez de permitir e possibilitar movimentos que geram a abertura a manifestações culturais diversificadas.
A nosso ver, a escola é um lugar de convivência e interpenetração sociocultural, que fabrica identidades hibridizatórias, na medida em que propicia a reflexão das culturas urbanas, uma vez que os hábitos, costumes, valores e crenças se revelam nas interações em sala de aula. Nesta ótica, Paulo Freire, nos diz que, nada se pode temer da educação quando se ama. Sendo assim, é o sentimento de amor pela educação que leva o professor a optar pelo diálogo e partilha; a fazer da escola um espaço onde se vive a liberdade, a felicidade de estar ali e de crescer rumo a um mundo mais humano.
Neste sentido, o professor coordena uma equipe, preparando o espaço para a transformação do homem. Mas, é pelo diálogo que a escola garante a qualificação profissional, o desenvolvimento das habilidades e competências; novas oportunidades de trabalho na área de formação, além do retorno financeiro. No entanto, entendemos que o dialogo só existe quando as partes estão no mesmo plano. Por outro lado, não denominamos de diálogo quando professor assume uma postura autoritária e hegemônica, desejando que o aluno aceite seus argumentos.
Aqui, afirma-se, que o diálogo é uma atitude de respeito e humildade, admitindo ter que mudar de opinião ou assumir uma postura diferente da que defendia. Diálogo supõe uma relação intersubjetiva e, não imposição da vontade pessoal, sem escutar o que o educando pensa a respeito dos conteúdos. Deste modo, o educador deve garantir oportunidade ao aluno de expressar suas opiniões, idéias e valores, para em seguida, ajudar o educando a clarear as idéias e a integrar os conhecimentos, propiciando uma visão ampla da cultura humana.

EDUCAÇÃO E CIDADANIA

EDUCAÇÃO E CIDADANIA
Na Grécia antiga, a educação tinha como objetivo conservar e estimular no homem a sua existência humana por intermédio da vontade e da razão. Para os gregos, uma educação consciente pode mudar o aspecto físico, desenvolver habilidades, além de estimular o desenvolvimento da capacidade intelectual, propiciando assim, uma visão crítica e analítica do contexto sociocultural. Desta forma, o grego estabelece um ideal de cultura como princípio formativo do homem. Sendo assim, a educação é tida como esforço humano para garantir a plena realização e o exercício consciente da cidadania.
Vale lembrar o aspecto jurídico da cidadania, invenção do Estado, que surge com a igualdade perante a lei e os demais direitos civis quando na França em 1830, a palavra "sujeito" desapareceu nos documentos oficiais, segundo José Alfredo (1995). Neste momento, a cidadania atrela aos direitos políticos, econômicos, sociais que confere ao homem uma qualidade de vida melhor. Entertanto, a cidadania compreende também deveres, pois aonde só existe direitos, há desordem e desrespeito aos outros, mas aonde só existe deveres, o homem passa a ser explorado pelo próprio homem ou pelo Estado. Sabemos que os direitos e deveres são conquistados de forma individual ou coletiva através da participação política, da expressão cultural e da realização profissional. Porém, é pela educação que o cidadão poderá atingir a consciência do "eu" e exercer uma cidadania plena, uma vez que a educação é o único caminho que capacita o homem a questionar a efetiva participação do poder do Estado em prol do bem comum.
Em virtude da heterogeneidade e conflitos sociais que brotam da sociedade, é necessário que os Governos criam normas para a manutenção da harmonia entre os cidadãos. Porém, o papel das leis devem garantir o bem comum. Nessa direção, Maquievel, Hobbes, Locke, Rousseau e Tocqueville reconhecem o papel do poder do Estado, que são originalmente legitimada pelo povo, porém este, geralmente, não participa e nem desfruta dos benefícios que deveriam retornar para ele em forma de prestação de serviços tais como: educação, habitação, transporte, saúde, segurança do cidadão. Além disso, nota-se direcionamentos econômicos que atingem drasticamente a esfera social, deixando a população alienada, desprovida de sonhos, cativos e, distanciadas do direito e da reivindicação da cidadania. Neste sentido, é plausível repensar as políticas públicas que não levem em consideração a melhoria das condições de vida da classe baixa que a cada dia é lançada ao desespero, a fome, ao desemprego e a miséria. Nesta visão, precisamos repensar a democracia e reformular as bases ideológicas para que todos os cidadãos possam desfrutar dos direitos e deveres, criando políticas alternativas que geram novas oportunidades, integrando a todos no sistema educativo, de modo que todos possam exercer uma cidadania plena.

Friday, April 08, 2005

A PSICOPEDAGOGIA DO LÚDICO PARA CRIANÇAS DE 03 A 06 ANOS:uma atuação prática pelo professor em caso de acidentes.

BENTO, Artur Monteiro. A psicopedagogia do lúdico para crianças de 03 a 12 anos: uma atuação prática pelo professor em caso de acidentes. 1a ed. Rio de Janeiro: impresso na SENAI, 2005, 82 p.
RESENHA
A obra de Artur Monteiro Bento, aborda de forma preliminar, alguns aspectos da pesquisa que desenvolveu sobre a infância, no âmbito de uma educação articulada a saúde. O autor preocupa-se com a formação de futuras gerações de professores e, por isso, publicou sobre a infância, debruçando sobre a necessidade de uma atuação prática pelo professor em caso de acidentes, antes de procurar atendimento de urgência, uma vez que, uma hemorragia pode levar ao óbito. Este livro constitui-se uma leitura uma leitura fácil e agradável. Em função disso, recomendo a leitura desta obra a todos os que se interessem na saúde integral da criança.
Dr. José Boephat Costa.
Médico otorrinolaringologista/RJ
Propomos, nesta obra, que o lúdico deve ser trabalhado na escola como uma ferramenta de ensino-aprendizagem, mas deve atender às necessidades de cada criança dentro do seu nível de desenvolvimento psicossocial e auxiliar no processo de construção da auto-estima, além de aprender a superar dificuldades e a conviver com a diversidade cultural. Sendo assim, desejamos contribuir para o planejamento curricular, favorecendo um amplo desenvolvimento da motricidade em geral, além de habilitar o professor a socorrer a criança em caso de acidentes.
Ms, Artur Monteiro Bento.

UM NOVO OLHAR SOBRE EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR: a criança de 03 a 06 anos.

UM NOVO OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR: a criança de 03 a 06 anos. 2ed, Rio de Janeiro: Impresso na SENAI, 2005, 124p.
Esta obra visa surgiu em 2001, do atendimento psicológico a crianças em idade pré-escolar, durante o período em que trabalhei no Centro Municipal de Saúde, Milton Fontes Magarão/Rio de Janeiro-Brasil.
As crianças apresentavam distúrbios de comportamento e sintomas psicossomáticos antes de ir para a escola e durante as aulas. Outros agrediam os colegas e até os professores com pontapés e objetos cortantes, segundo depoimento dos pais. Esta situação estava perturbando a vida dos encarregados da educação, que freqüentemente eram chamados pela direção da escola e pelos professores para responder ao comportamento dos filhos.
Dentro deste contexto, esta obra visa proporcionar melhor conhecimento sobre a escola e a infância, de modo a facilitar o ensino-aprendizagem, e maior preparo dos profissionais que trabalham com crianças de 03 a 06 anos. Utilizou-se neste trabalho uma metodologia centrada na criança, metodologia que não pode ser improvisada e nem pode adotar os métodos rígidos de ensino tradicional.
O livro está esquematizado em 9 (nove) capítulos.
O 1o capítulo demonstra a evolução da noção da criança ao longo dos tempos. Faz-se uma descrição embriológica e da evolução da criança dos 0 (zero) aos 6 (seis) anos. O 2o capítulo faz-se um levantamento histórico sobre a pré-escola, e recomenda um modelo a ser seguido como proposta psicopedagógica. O 3o capítulo dialoga-se com Piaget e Vygostky, teóricos construtivistas que revolucionaram a educação infantil. O 4o capítulo descreve de forma detalhada um planejamento de ensino que foi inspirado no referencial curricular do Ministério da Educação do Brasil para a Educação Infantil. O 5o capítulo descreve algumas atitudes a serem desenvolvidas na criança. O 6o capítulo apresenta à interdisciplinaridade como estratégia mais adequada para trabalhar as disciplinas e desenvolver os conteúdos. O 7o, 8o e 9o capítulo trabalha com os critérios de avaliação, formando orientação e sugestões, fazendo algumas recomendações aos professores como educar as crianças em idade pré-escolar.
Esta obra é um instrumento fundamental de mediação entre professor-aluno. Nossa tarefa é grande e procuramos cumprir a tarefa de dar qualidade a esta relação.
NOTA: Está a venda na Livraria Santelena, frente a UGF/Rio de Janeiro, Piedade, Rua Manoel Vitorino. Já foi adquirido pelas seguintes instituições de Ensino no Brasil: Universidade Gama Filho; Universidade Veiga de Almeida; Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (doação); Colégio Nossa Senhora da Piedade; Colégio Júnior; Colégio Madre Sarife Sales; Colégio Nosso Lar Genius. Palestras com professores e turmas de formação de professores nos seguintes colégios: Madre Sarife Sales; Junior.

Thursday, April 07, 2005

MEMÓRIA HÍBRIDA, IDENTIDADE E DIFERENÇA: uma visão múltipla da comunidade caboverdiana no Rio de Janeiro.(DISSERTAÇÃO DE MESTRADO)

RESUMO

Este trabalho aborda a recriação da memória e da identidade dos imigrantes caboverdianos no Brasil, através de suas falas e da observação de seus modos de vida, focalizando a comunidade caboverdiana no Rio de Janeiro como cenário principal deste processo. Neste contexto, entendemos que analisar a comunidade caboverdiana no Rio é estudar uma comunidade cuja memória é híbrida e mestiça. Contudo, essa hibridez encontrada na comunidade é própria da cultura caboverdiana, que constrói desde o país de origem uma memória múltipla, constituída, desde o início por um entrecruzamento de fatores e tendências.
Na construção da cultura caboverdiana, propomos o conceito MEMÓRIA HÍBRIDA, a partir da noção de cultura híbrida desenvolvido por Glissant em seu estudo: Introduction à ume poetique du divers.
A memória híbrida quer significar o encontro e a interpenetração dos vestígios etno-culturais das memórias dos escravos africanos com as memórias dos colonizadores que ocupavam o arquipélago. Neste caso, entendemos por vestígios a diversidade de fragmentos culturais trazidos pelos escravos das suas tribos para Cabo Verde, além da incorporação de alguns hábitos e costumes europeus já bem alterados, devido às reelaborações sofridas pelo contato com uma outra cultura. Esses escravos chegam ao arquipélago isolados de todas as suas referências, mas portadores de universos simbólicos vividos e compartilhados. Apesar de pertencerem a tribos distintas, os escravos não colocaram suas culturas em oposição, já estando dominados e misturados nos navios negreiros. Com relação a comunidade no Rio de Janeiro, a memória híbrida passa a significar a mescla entre elementos culturais brasileiros ou, mais especificamente, cariocas, de um modo que os primeiros se alteram a partir do encontro com os segundos, instalando-se um processo de permanente recriação da memória.
Convém ressaltar que os escravos provenientes de diversas identidades étnicas, no sentido de serem portadores de um acúmulo de heranças culturais que permitem distingui-los de outros grupos sociais, foram espoliados das suas línguas maternas, arrancados à força das suas raízes e trazidos para Cabo Verde, perdendo contato com suas tradições, tais como: sistema de parentesco, casamentos, utensílios de trabalho, artefatos, religião, alimentação, até a forma de enterrar os mortos de acordo com preceitos, tabus e superstições. Em outras palavras, perderam o contato com a sua "memória coletiva", isto é, com os seus quadros de referências sociais, segundo Halbwachs. Todavia, o colonizador também perdeu o contato com suas origens devido ao distanciamento resultante das precárias condições de navegação da época e das péssimas circunstâncias climáticas, geográficas, sociais e políticas existentes em Cabo Verde. Assim, o homem branco não pôde transmitir a cultura européia na sua integridade, ainda que os missionários encarregados pela conversão dos escravos não encontraram resistência de crenças que dificultasse a evangelização, uma vez que cada escravo convivia já com crenças diferentes das suas próprias. Por outro lado, devido ao isolamento e à desproteção dos seus grupos de origem, eles se submeteram à doutrina cristã, mas misturaram as contribuições da cultura européia com os vestígios das memórias africanas. O convívio das diferenças, portanto, marca Cabo Verde desde o início, dando origem a uma memória híbrida sempre disposta a se mesclar. A partir disso, nasce uma memória em devir, em construção, em permanente reelaboração.
Neste ponto, Semedo afirma que: Cabo Verde constitui um dos raros países de proveniência escravocrata onde a convivência cultural apagou quase na totalidade, os preconceitos étnicos. O homem caboverdiano define-se essencialmente como uma identidade cultural, num mosaico de gente com diversas tonalidades somáticas e fisionômicas.
O nosso entendimento nos aponta que os povoadores esqueceram as diferenças etno-culturais, mesclando-se as diversas contribuições culturais, tanto africanas quanto européias. Disso resulta um povo que, apesar de parecer homogêneo, é bastante heterogêneo. Porém, nota-se alguns hábitos comuns que os diferenciam de outras culturas, mas aproximam-se de diversas outras, dada as semelhanças muitas vezes reconhecidas como resquícios culturais de outros povos. Em virtude disso, cremos que as diversas linguagens, como forma de compreender e interpretar o mundo trazidas pelos povoadores se misturaram, processando-se uma memória híbrida e mestiça que se pauta em laços afetivos e de solidariedade, mas também significando uma forma de resistência à fixação de uma identidade etno-cultural. Nessa direção, é possível assinalar que tanto o europeu quanto os escravos abandonaram muitas diferenças etno-sociais e recriaram alguns de seus vestígios, das suas características iniciais, fazendo surgir uma memória atravessada por diferentes expressões culturais que não os isolaram e nem conduziram à formação de guetos, na medida em que permitiram estabelecer o exercício do diálogo intercultural, aprendizagem com a diferença, a não discriminação, tolerando as singularidades. Neste contexto, enfatizamos que a memória caboverdiana surge do encontro dos vestígios culturais transplantados das terras de origem, resultando em uma memória híbrida, mestiça, singular, mas multifacetada que se mostra sempre disposta a ir ao encontro da diversidade cultural, social e histórica. Entretanto, essa hibridez, não significa eliminar disputas, conflitos e divergências presentes nas interações sociais, mas pressupõe a tomada de consciência da diversidade cultural, isto é, de crenças, valores e costumes que oferecem múltiplas escolhas.
A pesquisa discute a construção de uma memória híbrida em termos teóricos e a partir de depoimentos orais colhidos na pesquisa de campo que serviu de base para entendermos as trajetórias, a integração, os modos de vida e a permanente recriação da memória que se faz na comunidade do Rio de Janeiro. Também analisa os riscos de uma memória híbrida dentro dos limites oferecidos pela pesquisa participante. A análise das entrevistas e a observação de campo evidenciam que, embora exista uma perda de laços comunicativos com Cabo Verde, a comunidade local recria alguns hábitos e costumes da antiga terra mesclando-os aos da cultura brasileira, produzindo, assim, um novo modo de vida, ou seja, uma nova forma de perceber-se e reconhecer-se como caboverdiano.
Com relação à pesquisa de campo, trabalhamos principalmente com a observação participante e entrevistas com membros da Comunidade Caboverdiana no Rio de Janeiro. Nossa metodologia, de cunho qualitativo, inclui: observações de campo, tomada de anotações, fotos e entrevistas abertas com imigrantes caboverdianos. Essas entrevistas visaram coletar informações sobre os processos de construção da memória pela comunidade local, e foram realizadas com 10 (dez) imigrantes caboverdianos e 5 (cinco) descendentes, sendo que 3 (três) residentes na cidade de Nilópolis/bairro Olinda, e 7 (sete) na cidade de Nova Iguaçu/bairro Grajaú. Também entrevistamos uma brasileira, casada com um imigrante moçambicano que convive com a comunidade local, totalizando 16 (dezasseis) entrevistas. Articulando nossos subsídios teóricos às entrevistas, realizamos uma reflexão sobre suas falas, privilegiando alguns aspectos: as lembranças do país de origem, os hábitos e costumes trazidos para o Rio de Janeiro, a possível transformação desses hábitos devido à aculturação no novo espaço, os hábitos e costumes que permaneceram em suas memórias, visando relacionar as lembranças do espaço vivido em Cabo Verde a seus modos de vida atuais.
Os capítulos apresentados desta dissertação respondem às questões do tema proposto. Assim, no primeiro capítulo analisamos a memória híbrida à luz de alguns teóricos que articulam a memória à construção de uma identidade social. Neste sentido, procuramos pensar a memória híbrida em um contexto social e histórico, remetendo para uma concepção de memória dinâmica que existe no interior de universos múltiplos e em processo de metamorfose. No segundo capítulo, relacionamos a memória caboverdiana com o processo migratório. Aqui, focalizamos a migração como um processo histórico motivado não só pelas condições deficitárias do arquipélago e a busca de novos espaços para garantir melhores condições de vida, mas também desencadeado pelo espírito de aventura e abertura para conhecer novos grupos. Refletimos sobre o processo de integração dos imigrantes no Rio de Janeiro, que representa uma mudança espacial e social com reflexos sobre a sociedade de partida e de destino, nomeadamente sobre a percepção e organização de seu sistema simbólico e social. Discutimos sobre a mestiçagem cultural acontecida em seu país de origem, que facilitou a integração destes imigrantes no Rio.
No terceiro capítulo, descrevemos e analisamos a Comunidade Caboverdiana no Rio de Janeiro como sendo um grupo social singular, sem estabelecer comparação com outros grupos existentes nesta metrópole. Abordamos os mecanismos usados por esta comunidade para a recriação da memória e da identidade, bem como a forma em que é transmitida a cultura recriada no Rio de Janeiro. Analisamos alguns hábitos e costumes, visando detectar transformações, evoluções ou permanências nos iniciais deste grupo.
No quarto capítulo, avaliamos os riscos que uma memória híbrida e mestiça representa para a cultura caboverdiana, de modo que essa reflexão possa instigar novas investigações nos pesquisadores interessados em desenvolver suas pesquisas sobre culturas abertas. Aliás, indagamos sobre as conseqüências da globalização e suas incidências na memória de uma comunidade específica, como a caboverdiana.
A título de conclusão, vivemos num momento social em que, de um lado, foram desenvolvidas inúmeras reflexões que serviram de base para á teoria clássica sobre a memória coletiva e, de outro, ganham visibilidade comunidades que possuem características abertas que nos apontam para uma memória híbrida, geradora de identidades hibridizatórias. Cremos que é neste impasse que as pesquisas sobre as memórias híbridas, como é a caboverdiana em seu país de origem e na comunidade do Rio de Janeiro, tornam-se importantes. A partir dos depoimentos orais durante as entrevistas, verificamos como a memória híbrida propicia a construção de algo completamente novo, e como se pauta na construção da diferença, estando sempre por se fazer, na medida em que sofre atravessamento cultural e social de diversos sistemas de representações. Sendo assim, é nosso dever chamar a atenção para a compreensão do novo sem atribuir-lhe um significado pejorativo, valorizando-o como expansão das características da própria hibridez cultural. Por estes motivos, cremos na necessidade de uma política que se apoie sofre o respeito à diferença em um contínuo reconstruir de nossas memórias. A partir daí, o nosso trabalho pretende contribuir para que as ciências sociais e humanas possam teorizar sobre a memória híbrida, noção que propusemos a partir do conceito de cultura híbrida de Glissant. Pensamos que a nossa pesquisa pode contribuir para estes estudos ao focalizar a memória híbrida num pequeno universo, mas pensamos também que ainda resta muito a ser explorado acerca dos modos como essa hibridez se realiza, sobre suas potencialidades e seus riscos. Em nossa pesquisa procuramos destacar o modo como essa memória se abre para a diferença, produzida nos lugares de convivência e de trocas de experiências sociais, nas quais as identidades sofrem um atravessamento multicultural e multiracial, como é o caso da sociedade do Rio de Janeiro, onde é possível achar uma diversidade de grupos sociais e étnicos que se mesclam, e, consequentemente, enfraquecem os laços de comunicação com o país de origem.
Cabe aos caboverdianos refletir sobre os riscos de uma memória híbrida, num momento em que as questões culturais assumem uma importância global, amparados por uma visão plural. Para tal, precisamos, caboverdianos ou não, refletir sobre nossos paradigmas acerca da memória coletiva de modo a enfrentarmos os riscos da perda dos laços nas gerações de descendentes de imigrantes caboverdianos no Brasil e na diáspora em geral.
BIBLIOGRAFIA
BENTO, Artur Monteiro. A comunidade caboverdiana no Rio de Janeiro: memória híbrida, identidade e diferença. Rio de Janeiro: PPGMSD/UNIRIO, 2005, 120p.
GLISSANT, Édouard. Poétique de la relation. Paris: Gallimard, 1990.
_________________. Le meme e le divers. In: Les discours antillais. Paris: Seuils, 1981.
HALBWACHS, Maurice. Les cadres Sociaux de la mémoire. Paris: Éditions Albin Michel, 1994.
SEMEDO, J.M. Um arquipélago do Sahel. In: AHN. Descoberta das ilhas de Cabo Verde. Cabo Verde, Praia, Sépia Paris, 1998, p. 36.
OBS: Esta obra foi aprovada com conceito "A" no mestrado em Memória Social e Documento na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, com o seguinte título: "A comunidade caboverdiana no Rio de Janeiro: memória híbrida, identidade e diferença". Constitui-se Banca Examinadora os seguintes Profs. Doutores: Auterives Maciel da UFF, Miguel A . de Barrenechea, Josaida Gôndar e Regina de Abreu da UNIRIO. A Banca recomendou sua edição e divulgação no meio acadêmico, entendendo a memória híbrida como uma ferramenta de trabalho para estudar os grupos contemporâneos. Além disso, a memória híbrida poderá ser também utizada como uma chave interpretativa para pensar as teorias clássicas sobre memória e identidade, especialmente alquelas apontadas por por Halbwachs e Pollack..
O trabalho poderá ser consultado na Biblioteca da UNIRIO/URCA, mas brevemente será editado. Este resumo poderá ser utilizado parcial ou totalmente, desde que o autor Artur Monteiro Bento seja citado, pois a MEMÓRIA HÍBRIDA é da autoria do autor e está registrado em Cartório Brasileiro como propriedade intelectual, protegido pela LEI n° 9.610/98. O PLÁGIO é tratado como CRIME CONTRA PROPRIEDADE INTELECTUAL; CRIME DE VIOLAÇÂO DE DIREITO AUTORAL – ART 184 que traz o seguinte teor: violar direito autoral: pena detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Pena reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. CP-Br. (Dr. Nelson P. M de Oliveira, advogado)